De Santa Cruz para o Brasil
A década de 1990 foi um marco para os jovens da periferia carioca, especialmente quando o assunto era lazer e entretenimento. Um dos pioneiros do funk, o “Poeta do Funk”, reuniu 30 artistas em um evento que celebrou seus 30 anos de carreira, criando o maior Baile Funk das Antigas da história. Estamos falando de Bob Rum, cria de Santa Cruz, cujos sucessos como “Rap do Silva” atravessaram gerações. O festival, realizado na Arena Bangu, Zona Oeste do Rio, destacou o ritmo nascido nas periferias e consolidado como símbolo da cultura brasileira.
Conversamos com Bob Rum sobre esse marco, e ele nos revelou seu maior sonho: “Eu sempre quis que minhas letras fossem conhecidas, e o destino quis que o funk me desse essa oportunidade. Foi o funk que me permitiu mostrar meu trabalho, realizar tantos sonhos na minha vida.” Para Bob Rum, o funk é muito mais do que música — é uma ferramenta de transformação social. “O funk não mudou só a minha vida, mudou a de milhares de pessoas que, assim como eu, nasceram na periferia e queriam mudar os estereótipos. O funk me deu a chance de crescer como pessoa e profissional, e até realizar outros sonhos, como fazer faculdade e dar essa oportunidade para minha família.”
Ele conclui: “O funk pra mim é tudo! É conhecimento, é arte, é a razão de tudo.” A conexão entre o funk e a periferia, especialmente a Zona Oeste, foi crucial para a explosão do gênero nos anos 1990. “O funk e a Zona Oeste têm tudo a ver!”, afirmou Bob Rum. A trajetória do funk é de constante evolução.
Nascido no final dos anos 1970, o gênero absorveu diversas influências e evoluiu para vertentes como o funk rave, que mistura eletrônico com o batidão, além do funk consciente, que desde os anos 1990 aborda temas como racismo, abuso policial e reivindicações de melhores condições de vida nas favelas.
Para aprofundar essa discussão, conversamos com Juliana Bragança, historiadora, pesquisadora do funk e autora de Preso na Gaiola: A Criminalização do Funk Carioca nas Páginas do Jornal do Brasil (1990-1999). Segundo Juliana, artistas como Bob Rum, Cidinho & Doca (Cidade de Deus) e William & Duda (Morro do Borel) fazem parte da velha guarda do funk consciente, dando voz às realidades das favelas cariocas. Ela destacou como a mídia ajudou a estigmatizar o funkeiro como o jovem negro, favelado e suburbano, associado à desordem. “O Rap do Silva e outros funks conscientes vieram para mostrar que o funk é um movimento cultural, não pode ser reduzido à violência.”
Juliana também refletiu sobre a importância do legado de Bob Rum: “O funk não é modismo, é uma necessidade. Bob Rum trouxe isso para a gente nos anos 90, e são versos que nos acompanham até hoje. É um orgulho ver um artista consagrando 30 anos de carreira e mudando a narrativa sobre o funk como cultura.”
No festival, conversamos com o público, que compartilhou como o funk e os bailes moldaram suas vidas. “Não tínhamos muitas opções de lazer, o baile era nossa diversão”, disse uma participante. Outra relembrou as dificuldades enfrentadas: “Sempre fomos vistos como favelados, sem estudo. Os motoristas de ônibus não paravam para funkeiros. Era humilhante. Hoje, estar aqui com minha família é uma vitória.”
O Festival de 30 anos de Bob Rum foi mais do que uma celebração da carreira do artista. Foi uma homenagem ao funk como um movimento cultural que, ao longo de décadas, deu voz à periferia e transformou realidades. E em julho de 2024, a importância do funk foi oficialmente reconhecida com a criação do Dia Nacional do Funk, celebrado em 12 de julho, em homenagem ao Baile da Pesada, que foi fundamental para a popularização do gênero.
Autor: Juliana Neris
Foto: Juliana Neris